Livro VII
Procurei seguir as recomendações de isolamento social durante a pandemia de COVID-19 e uma das atividades que utilizei para manter minha sanidade mental foi fotografar em casa. Esse é um dos projetos com fotos realizadas da sacada do meu apartamento. Um dia me senti aprisionado pelo meu próprio privilégio e medo em meu apartamento, que me pareceu uma morada como a da célebre “Alegoria da Caverna” - não subterrânea, mas a muitos andares de distância da dura vida real. No meu delírio, era um outro prisioneiro também liberto e posteriormente reconduzido à força para a caverna, só que decidi ficar em silêncio e vivo. Lá embaixo, os “livres”, em sua maioria aprisionados pela necessidade, corriam risco de vida, enquanto o “prisioneiro” observava consternado os efeitos fatais de uma enorme desigualdade social. Dois anos, dois contágios e uma internação após, o aprofundamento da obscena concentração de riqueza e a aceleração da ocorrência de catástrofes climáticas cada vez mais intensas mostram que as paredes da caverna prosseguem ganhando mais dimensões, mais espessura, camada sobre camada de ruídos, de falsa informação, obstando as possibilidades de distinção e compreensão, como a cegueira branca de Saramago, como uma tela de sala de cinema de Sugimoto. Tanto é visto, ouvido, falado, “experienciado”, que o espírito dessensibilizado mal vê as sombras da verdade cruel e fatal que asfixia o Bom, o Belo e o Justo.